Há dez anos, uma assembleia geral da ONU sobre aids reuniu líderes mundiais e declarou a doença "uma emergência global". Agora, a partir do próximo dia 8, 30 chefes de Estado e representantes de governo voltam a se reunir na ONU para avaliar as três décadas da epidemia. Nesta entrevista, o diretor do Programa Conjunto das Nações para o HIV e Aids, Michel Sidibé, médico responsável pela única cura da aids diz que método não pode ser usado em larga escala, afirma que o preconceito ainda é um dos maiores obstáculos à prevenção da doença. Confira também os comentários do especialista em Saúde Pública Alccy Martins, sobre a AIDS.
O Globo: Já são três décadas da mais letal epidemia conhecida pela Humanidade, com um total de 60 milhões de pessoas atingidas. O que mudou nesses anos?
MICHEL SIDIBÉ: Há 30 anos, tratava-se de uma doença misteriosa, chamada de praga gay (ou câncer gay), as pessoas ficavam apavoradas. Hoje, conseguimos romper essa conspiração silenciosa, redistribuir oportunidades, baixar o preço das drogas do coquetel, forjar um novo pacto entre o sul e o norte e parcerias entre os países do sul. Para mim, a aids ajudou a demonstrar que o movimento social pode mobilizar e produzir resultados.
ALCCY MARTINS: Não vamos agora elogiar a epidemia da AIDS por nossa falta de compreensão humana, sendo esta última uma reação inata do ser humano. Ora, se pararmos para pensar veremos que quando ocorreu a descoberta do HIV era sim tido como o mau dos gays, ou seja, a doença estava programada socialmente para contaminar homens que eram homossexuais. Para termos uma ideia a discriminação era tão grande que em alguns países homens eram mortos ou sofriam atrocidades contra sua vida. Hoje 30 anos depois percebemos que a vítima é a mulher casada que cofia no seu parceiro e acaba sendo contaminada pelo vírus.
De 1980 a junho de 2009 foram registrados 544.846 casos de aids no Brasil, com 217.091 mortes; há de 33 mil a 35 mil novos casos notificados anualmente, e a estimativa é de que haja 630 mil pessoas infectadas pelo HIV. A razão de sexo (número de casos em homens dividido por número de casos em mulheres) se estabilizou a partir de 2003: para cada 15 casos em homens há 10 em mulheres. Mas entre jovens de 13 a 19 anos é o contrário: nessa faixa etária, o número de casos de aids é maior entre as meninas, tendência que se verifica desde 1998, com 8 casos em meninos para cada 10 casos em meninas
O Globo: Quais os desafios imediatos?
MICHEL SIDIBÉ: Há 10 milhões de pessoas ainda sem tratamento no mundo. Há países que ainda negam acesso aos serviços (medicamentos e prevenção) a homens que fazem sexo com homens, prostitutas e viciados em drogas. Esse é um desafio imediato hoje. Por isso, pessoalmente, acho que a reunião deve focar nesses elementos para revolucionar a prevenção.
ALCCY MARTINS: O acompanhamento do HIV fez o mundo compreender que uma dada sindromiopatia requer não apenas conhecimento mais disposição para testar ideias e muitas vezes obter fracassos astronômicos, de caráter humano. Os desafios agora é tentar formar pessoas com a ideia de que a AIDS continua matando, porque se começarmos a publicar que a cura da AIDS chegou ocorrer um aumento na incidência desta síndrome. Estabelecer tratamento para todos os identificados e recrutar os que estão por ai sem tratamento algum.
Se pararmos para pensar veremos que a África do Sul reúne mais soropositivos do que qualquer outra nação — com 50 milhões de habitantes, tem 5,7 milhões de infectados pelo HIV e 1.000 mortes diárias. Zuma conclamou a população “a lutar contra a aids como combateu o apartheid”. Entre as medidas está o tratamento precoce da tuberculose segundo as novas recomendações da OMS. A tuberculose é a principal causa de morte entre os sul-africanos infectados pelo HIV, e o número de óbitos pela doença mais do que triplicou no país desde 1997. Aqui no Brasil temos a falta de apoio da população em não se cuidar veementemente.
O Globo: O preconceito ainda é muito forte? Ainda é um problema sério na prevenção?
MICHEL SIDIBÉ: Para você ter uma ideia, em 116 países do mundo existe algum tipo de lei que criminaliza os profissionais do sexo ou que simplesmente não reconhecem a existência de homens que fazem sexo com homens. Confrontar o estigma e a discriminação é fundamental para uma resposta. A diferença é que hoje, ao contrário de apenas 5 anos atrás, esse assunto está na agenda. A epidemia seguiu cursos diferentes nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento.
Pessoas infectadas com HIV no Brasil sofrem mais com problemas sociais e psicológicos do que com a ação do vírus no organismo, informa a pesquisa Percepção da Qualidade de Vida e do Desempenho do Sistema de Saúde entre Pacientes em Terapia Antirretroviral no Brasil, divulgada (dez.2009) pelo Ministério da Saúde. A Fiocruz entrevistou 1.260 pacientes, entre os 200 mil em tratamento, e descobriu que, dos 65% de entrevistados que responderam ter bom estado de saúde, boa parte não superou os traumas psicológicos provocados pelo diagnóstico da doença: 33% das mulheres e 23% dos homens afirmaram sofrer de depressão; e 34% e 47% têm grau intenso ou muito intenso de preocupação ou ansiedade.
Segundo o ex-ministro da saúde Temporão, afirma que ainda há pessoas que acreditam que soropositivos deveriam ficar isolados por representar perigo. “O Brasil é o primeiro país do mundo em desenvolvimento a oferecer tratamento de forma universal, mas precisamos amadurecer como sociedade”, essa é a realidade não aprendemos ainda que falta de informação não se qur dizer falta de cuidados.
O Globo: Isso era esperado? Os bons resultados foram alcançados apenas no mundo rico?
MICHEL SIDIBÉ: Nós não temos uma epidemia, mas múltiplas epidemias. E isso não é uma surpresa por causa das disparidades. Práticas globais propiciaram o crescimento da aids. Quanto menos justiça, educação e nutrição, mais aids. A aids mostra que o valor da vida não é o mesmo em diferentes partes do mundo. Numa parte, as pessoas não morrem mais da doença. Em outra parte, no entanto, há milhões esperando tratamento. Numa parte, bebês não nascem mais com a Aids . Em outra, são 400 mil todos os anos. São dois lados da mesma moeda. Por isso é importante sim que as pessoas questionem a justiça social.
1. Pesquisar em todos os estados para saber a real situação dos casos de AIDS.
2. Dar assistência ao portador do HIV.3. Desenvolver programas de sensibilização contra a AIDS, nas escolas públicas e privadas.
4. Trabalhar as famílias sobre os riscos de contaminação.
5. Estabelecer pontos de exames de HIV em todo o país, para se fazer estimativas reais, e para se detectar os casos que são desconhecidos.
6. Investir em pesquisas sobre anti-retrovirais.
O Globo: A epidemia está mais controlada hoje?
MICHEL SIDIBÉ: Estamos quase revertendo a trajetória. Em 60 países o número de novas infecções está estabilizado ou sendo reduzido. No Brasil, a epidemia está estabilizada desde 2000 - o que mostra como avanços socioeconômicos e uma liderança forte reduzem o impacto da doença. Em 1996, quando o Brasil começou a distribuir remédios e preservativos, o país mudou o curso da epidemia. Naquela ocasião, Brasil e África do Sul tinham o mesmo nível de infecção. Hoje, o Brasil tem 0,6% e a África do Sul quase 20% de suas populações infectadas. Mesmo entre usuários de drogas, o Brasil conseguiu baixar de 16% para 5% a prevalência. Esses são exemplos de como a disponibilização de serviços têm um impacto importante.
Alccy Marthins