segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A SÍNDROME DO ATRASO CONTEMPORÂNEO

 

Comparativamente aos hábitos do primeiro mundo, a cultura brasileira (ou do segundo, terceiro e demais mundos) é tolerante com atrasos em horários de compromissos. Em grandes linhas essa conclusão é verdadeira, embora em ambientes corporativos as regras sejam mais rígidas, mesmo no Brasil, e atrasos são malvistos, arranhando a imagem profissional de quem assim se comporta.

 
É verdade que tais regras se aplicam mais a uns do que a outros: autoridades, especialmente as do setor público, gozam de uma espécie de salvo-conduto que lhes permite regular o tempo do mundo de acordo com seus relógios particulares. Médicos também podem abusar livremente da agenda alheia, e não fica bem aos pobres mortais reclamar deles.

 
No entanto, mesmo no mundo corporativo, há pessoas - não poucas - que simplesmente não podem, porque não conseguem, ser pontuais. Para todos os demais - aqueles para os quais horários não são problema -, é difícil entender a razão pela qual uma equação tão simples não pode ser resolvida por alguns. Parece falta de respeito com os que seguem as regras - e é mesmo, mas em certos casos o assunto beira a patologia. 

Há os que simplesmente não conseguem planejar "da linguiça pro porco", como se diz no interior. Se o compromisso mais importante do dia está marcado para o horário X, bem, todos os agendamentos anteriores precisam ser estabelecidos nos intervalos corretos, incluindo o tempo necessário para locomoções, se houver.

 
O problema parece assemelhar-se a outros tipos de "impossibilidades". Para todos, a recomendação é comer com moderação, mas para alguns, como resistir à tentação de comer muito já independente das consequências? Muitos conseguem, sem grande esforço, administrar ações presentes tendo em conta as decorrências futuras, numa conta quase mecânica que busca o equilíbrio. É melhor comer menos agora e no momento seguinte sentir-se bem, não apenas fisicamente, mas emocionalmente, pela satisfação do autocontrole. 


O resultado desta "conta", em geral, tende a ser melhor que o simples exagero no prazer imediato (se este for a regra e não exceção), que pode levar ao mal estar, ao sobrepeso e, pior, à frustração pela incapacidade de se autoadministrar.

 
Com o controle do tempo a lógica parece similar. Alguns simplesmente não podem evitar o prazer de dormir um pouco mais, ou de tomar um banho mais demorado, ou de esticar um pouco mais aquele papo bom, enquanto o mundo os espera. Para estes, resta a força de vontade para reprogramarem o próprio comportamento, ou a opção de assumir a pecha que lhes cabe, a de atrasados. Podiam ao menos, ser mais criativos e evitar repetir as desculpas de sempre - um pneu furado, o trânsito, um erro de agenda da secretária...


Judith Brito

*Judith Brito é formada em Administração Pública pela FGV e tem mestrado em Ciência Política pela PUC-SP. Foi pesquisadora no CEBRAP e no IDESP, professora da FGV e há 18 anos está no Grupo Folha. Publicou dois livros: "Mãe é Mãe" e "Ah! O amor...: experiências cotidianas da vida a dois" (ambos pela Publifolha). É cronista do site www.metadeideal.com.br